Drummond

Crepusculares (ou: da renúncia)

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“Amor é o que se aprende no limite,

Depois de se arquivar toda a ciência

Herdada, ouvida.

Amor começa tarde.”

(Carlos Drummond de Andrade)

Venha tarde:
à meia-luz, morno, sorrateiro; no instante em que se afrouxam os lábios, e que os olhos já não esperam mais. Venha depois da fome e de toda a embriaguez, no silêncio frouxo, farto, murcho , que segue o êxtase; no instante crepuscular em que tudo é sono e saciedade. Venha em carne, em corpo, em peso, marca e memória. Venha inteiro.

Venha tarde:
no tempo em que não houver mais ausência, ou falta. Quando os dias forem apenas dias, e as horas, apenas horas. E quando da ânsia restar apenas certa graça. Quando nos soubermos pequenos, falíveis, efêmeros; e os desejos cravados na pele, desbotados como velhas tatuagens, já não nospesarem.

Venha tarde: quando os móveis já estiverem na casa, os livros nas prateleiras,  as roupas no armário.

Venha tarde, e teremos linguagem para nossos não-ditos. E já não nos assustará a noite que cada um traz sobre os olhos. Nossas sombras poderão, enfim, nos fazer companhia; e já não haverá a eternidade a nos apertar o peito.